domingo, 7 de novembro de 2010

Resenha do Documentário "The Celluloid Closet"


O Outro Lado de Hollywood

Por Vicentte Jalowitzki de Quadros

O documentário “O Outro Lado de Hollywood” trata da evolução da representação dos homossexuais no cinema. O texto paralelo é de Guacira Lopes Louro, que também faz uma análise do histórico das caracterizações das sexualidades “normais” e “desviantes” pelas lentes da sétima arte.

O famoso Código Hays, instituído em 1934, ditou as regras de adequação para o cinema, através de três “Princípios Gerais”¹:

  1. Nenhum filme que possa reduzir o padrão moral de seus espectadores deverá ser produzido. Por esse motivo, a empatia da platéia nunca deve ser induzida para o crime, a transgressão, o mal ou o pecado.

  2. Os padrões corretos de vida, sujeitos somente aos requisitos do enredo e do entretenimento, devem ser apresentados.

  3. A Lei, natural ou humana, não deve ser ridicularizada, bem como a empatia do público não deve ser alinhada a essa violação.

Além dos Princípios Gerais, absurdos por si só (qual o padrão moral dos espectadores?), havia também restrições mais específicas, ou “Aplicações Particulares”, entre as quais se inclui: “referências a perversões sexuais (como a homossexualidade) são proibidas"².

Devido às restrições dessa “cartilha de defesa da moral e dos bons costumes”, o cinema passou, a partir da década de 1930, a viver de figuras de linguagem: metáforas, metonímias e eufemismos passaram a protagonizar os filmes hollywoodianos. Os diretores se contorciam para enganar a censura, e os “pervertidos sexuais” ficaram, por um bom tempo, sem aparecer nas telas do cinema, até que, em 1959, De Repente, no Último Verão introduziu o primeiro homossexual ao mainstream. Desde Sebastian (Caio Fernando Abreu costumava se referir a gays como Sebastians), o homossexual sem rosto, com uma morte merecida no final, foi se humanizando, ganhando personalidade, aparecendo mais claramente, mas sempre estigmatizado, estereotipado, retratado de modo a não merecer a empatia das audiências, como pretendia Hays.

Abordagens mais simpáticas, retratando o homossexual afeminado, excêntrico, a bicha, foram tomadas, sempre tendo nessa personagem um ponto de comédia, um humor intrínseco a ser explorado. A inofensividade, nesses casos, permite que o homossexual saia vivo da história, ganhe a simpatia do público, que se torna cúmplice dessa figura, sem associar a ela o caráter sexual pervertido. Esses estereótipos afetados são tomados como inocentes, e não se pensa noveado alegre como um ser sexual, não se imagina aquela bichinha transando com outro homem, pois é apenas um objeto de entretenimento, não atingindo o ponto crucial do preconceito e da intolerância: a consumação do ato sexual. Enquanto o homossexual é um ser de sexualidade abstrata, que é retratado mais como figura cômica do que como figura dramática, mais em seu aspecto ridículo do que eu seu aspecto humano e real, não há ameaça.

O verdadeiro pânico ocorre quando o gay é retratado como um ser humano, como alguém que poderia estar inserido no cotidiano: o vilão, o psicopata - ou o purpurinado, o saltitante - são distantes demais para abalar. Em ambos os casos, são estereótipos afastados, que não chegam a serem transpostos para a realidade. Filmes como O Segredo de Brokeback Mountaincausam manifestações pró e contra, alvoroço e debates porque retratam pessoas reais, não caricaturas. O desfile semanal de estereótipos em programas de pretensãohumorística, como Zorra Total, Casseta&Planeta, A Praça é Nossa, Pânico na TV e diversos outros não é questionado, pois as características supostamente homossexuais são claramente irreais, e permeiam a vida diária exclusivamente em seu aspecto mais ultrajante: a associação dessas características sabidamente irreais como sendo características homossexuais, promovendo, assim, a homofobia, através da liberdade de tratar gays, lésbicas, travestis e toda e qualquer sexualidade que não a heterossexual (e a heterossexual com seus padrões de heterossexualidade, macheza, feminilidade...) como objetos de escárnio, de humor depreciativo.


¹ Livre tradução dos “General Principles” do Código Hays:
1) No picture shall be produced that will lower the moral standards of those who see it. Hence the sympathy of the audience should never be thrown to the side of crime, wrongdoing, evil or sin.
2) Correct standards of life, subject only to the requirements of drama and entertainment, shall be presented.
3) Law, natural or human, shall not be ridiculed, nor shall sympathy be created for its violation.

² Do original: References to alleged sex perversion (such as homosexuality) and venereal disease were forbidden, as were depictions of childbirth.”

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