O Outro Lado de Hollywood
Por Vicentte Jalowitzki de Quadros
O documentário “O Outro Lado de Hollywood” trata da evolução da representação dos homossexuais no cinema. O texto paralelo é de Guacira Lopes Louro, que também faz uma análise do histórico das caracterizações das sexualidades “normais” e “desviantes” pelas lentes da sétima arte.
O famoso Código Hays, instituído em 1934, ditou as regras de adequação para o cinema, através de três “Princípios Gerais”¹:
Nenhum filme que possa reduzir o padrão moral de seus espectadores deverá ser produzido. Por esse motivo, a empatia da platéia nunca deve ser induzida para o crime, a transgressão, o mal ou o pecado.
Os padrões corretos de vida, sujeitos somente aos requisitos do enredo e do entretenimento, devem ser apresentados.
A Lei, natural ou humana, não deve ser ridicularizada, bem como a empatia do público não deve ser alinhada a essa violação.
Além dos Princípios Gerais, absurdos por si só (qual o padrão moral dos espectadores?), havia também restrições mais específicas, ou “Aplicações Particulares”, entre as quais se inclui: “referências a perversões sexuais (como a homossexualidade) são proibidas"².
Devido às restrições dessa “cartilha de defesa da moral e dos bons costumes”, o cinema passou, a partir da década de 1930, a viver de figuras de linguagem: metáforas, metonímias e eufemismos passaram a protagonizar os filmes hollywoodianos. Os diretores se contorciam para enganar a censura, e os “pervertidos sexuais” ficaram, por um bom tempo, sem aparecer nas telas do cinema, até que, em 1959, De Repente, no Último Verão introduziu o primeiro homossexual ao mainstream. Desde Sebastian (Caio Fernando Abreu costumava se referir a gays como Sebastians), o homossexual sem rosto, com uma morte merecida no final, foi se humanizando, ganhando personalidade, aparecendo mais claramente, mas sempre estigmatizado, estereotipado, retratado de modo a não merecer a empatia das audiências, como pretendia Hays.
Abordagens mais simpáticas, retratando o homossexual afeminado, excêntrico, a bicha, foram tomadas, sempre tendo nessa personagem um ponto de comédia, um humor intrínseco a ser explorado. A inofensividade, nesses casos, permite que o homossexual saia vivo da história, ganhe a simpatia do público, que se torna cúmplice dessa figura, sem associar a ela o caráter sexual pervertido. Esses estereótipos afetados são tomados como inocentes, e não se pensa noveado alegre como um ser sexual, não se imagina aquela bichinha transando com outro homem, pois é apenas um objeto de entretenimento, não atingindo o ponto crucial do preconceito e da intolerância: a consumação do ato sexual. Enquanto o homossexual é um ser de sexualidade abstrata, que é retratado mais como figura cômica do que como figura dramática, mais em seu aspecto ridículo do que eu seu aspecto humano e real, não há ameaça.
O verdadeiro pânico ocorre quando o gay é retratado como um ser humano, como alguém que poderia estar inserido no cotidiano: o vilão, o psicopata - ou o purpurinado, o saltitante - são distantes demais para abalar. Em ambos os casos, são estereótipos afastados, que não chegam a serem transpostos para a realidade. Filmes como O Segredo de Brokeback Mountaincausam manifestações pró e contra, alvoroço e debates porque retratam pessoas reais, não caricaturas. O desfile semanal de estereótipos em programas de pretensãohumorística, como Zorra Total, Casseta&Planeta, A Praça é Nossa, Pânico na TV e diversos outros não é questionado, pois as características supostamente homossexuais são claramente irreais, e permeiam a vida diária exclusivamente em seu aspecto mais ultrajante: a associação dessas características sabidamente irreais como sendo características homossexuais, promovendo, assim, a homofobia, através da liberdade de tratar gays, lésbicas, travestis e toda e qualquer sexualidade que não a heterossexual (e a heterossexual com seus padrões de heterossexualidade, macheza, feminilidade...) como objetos de escárnio, de humor depreciativo.
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