domingo, 7 de novembro de 2010

Resenha do Filme "XXY"


Os anjos também choram

Por Patrícia Vilanova Becker

Inicio esta resenha buscando uma ordem que não é necessariamente a da narrativa que o filme nos oferece. O filme XXY nos apresenta um(a) Alex adolescente, já com 15 anos, imerso(a) nos conflitos que são atribuídos a esta fase da vida. Todavia, os problemas de Alex iniciam-se ainda no útero da mãe, quando esta(e) é obrigado(a) a responder as inconvenientes perguntas sobre o sexo do bebê. Como afirma Guacira Lopes Louro em “Um Corpo Estranho”:

A declaração “É uma menina!” ou “É um menino!” (...) mais do que uma descrição, pode ser compreendida como uma definição ou decisão sobre um corpo.

Assim, opta-se nessa resenha por partir de Alex quando ainda está no útero materno, uma vez que é aí que se inicia a coação que perseguirá esse sujeito por toda vida: ter de fazer uma escolha acerca do próprio sexo-gênero-sexualidade. Através do relato da mãe de Alex, descobre-se que esta sofria muito durante a gravidez quando questionada sobre o sexo do bebê. Para o pai de Alex, ela(e) era perfeito(a) desde o nascimento, quando este negou-se a submeter o(a) filha(o) a cirurgia “corretiva”.

Observa-se aqui a presença do aparato regulatório de Foucault através da medicina, disposta a determinar um modelo normativo sobre corpo, padronizando-o e docilizando-o. Impossível não fazermos o questionamento acerca da necessidade real dessa cirurgia, uma vez que a condição hermafrodita de Alex em nada afetava a sua saúde. Seria esta uma correção ou uma adaptação aos padrões normativos?

O pai de Alex, ciente do caráter cosmético dessa cirurgia, opta por preservar o(a) filho(a) e muda-se para uma cidade no interior do Uruguai esperando encontrar lá tranqüilidade e distanciamento de pressões sociais. Todavia, chegada a adolescência, momento em que a sexualidade passa a aflorar de maneira mais intensa, seja por fatores biológicos ou culturais, os questionamentos acerca do sexo-gênero-sexualidade de Alex emergem com força.

Alex, até então, havia sido criada(o) tendo como referência o gênero feminino, sendo, inclusive, “medicada(o)” com hormônios femininos para impedir que características masculinas viessem a tona. Todavia, Alex passa a negar-se a tomar tais medicamentos e os pais passam a temer que o lado masculino prevaleça. Com a visita de um casal de amigos e seu filho adolescente, a sexualidade de Alex aflora na medida em que se aproxima e se apaixona pelo menino Álvaro.

Os adolescentes se aproximam e logo Alex revela o desejo de transar com o rapaz e os dois jovens acabam se envolvendo e tendo relações sexuais. Todavia, para a surpresa do menino, que julgava que Alex era apenas mulher, a penetração é feita por Alex e flagrada por seu pai. A partir disso, os pais de Alex passam a vislumbrar a possibilidade dela(e) ser essencialmente um menino. Aqui, observa-se claramente, a idéia do masculino penetrante, expressa no texto de Daniel Welzer-Lang “A construção do masculino: dominação das mulheres e homofobia”:

Pois se trata bem disto, ser homem corresponde ao fato de ser ativo. (...) Aqui também o heterocentrismo constitui categorias. Ele distingue os dominantes, que são os homens ativos, penetrantes, e os outros, aquelas e aqueles que são penetradas/os, logo dominadas/os.

O sofrimento de Alex também é intensificado na medida em que sua condição passa a torna-se pública. Em um primeiro momento, briga com o melhor amigo que conta aos outros que ela(e) é hermafrodita. Alex torna-se um alvo do preconceito e da violência, sendo estuprada(o) por rapazes da vizinhança. Nesta medida, Alex tem de escolher entre denunciar seus agressores e tornar pública sua condição ou silenciar a dor e viver sentindo-se clandestina(o). Alex decide pela primeira opção.

A presença do médico cirurgião, que visita a família, perturba o pai de Alex, que passa a cogitar a possibilidade da(o) filho(a) fazer a escolha por um dos sexos. Aqui, torna-se clara a presunção de que o sexo-gênero-sexualidade são elementos relacionados necessariamente na mesma direção. Logo, o fato de Alex ter expressado uma sexualidade tida como masculina ao penetrar Álvaro, faz com que os pais pensem que seu gênero e seu sexo também seguem essa lógica artificial.

Em um momento de emoção, o pai de Alex diz que ela(e) deve escolher, ao que ela(e) responde: “e se não houver nada para escolher?”. O filme encerra-se sem dar-nos resposta, deixando um aberto que sugere que Alex não fez a escolha e que seguirá sua vida de uma maneira que desafia a lógica binária imposta pelas estruturas sociais. Ao que tudo indica, Alex optou por ser tão somente Alex. E isso deve bastar.

Um comentário:

  1. Um filme com uma história divertida e interessante. Este elenco de ator César Troncoso é um dos meus favoritos, eu amei seu caráter. Eu agora estou vendo na O Hipnotizador uma nova série a produção deste 2015, o que já está dando muito o que falar.

    ResponderExcluir